23 de abril de 2011

Nos crimes de racismo, Justiça dá vitória para os réus

Por Karla Leandro Rascke 

Estudo inédito do Laboratório de Análises Econômicas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais (Laeser), da Universidade Federal do Rio de Janeiro, revela que a regra no Brasil é a impunidade quando se trata dos crimes de racismo e injúria racial, que atingem à população negra.

Os agressores, quando chegam à condição de réus em processos, não apenas não são punidos, como o que é pior: são eles que ganham as ações, de acordo com o Relatório das Desigualdades Raciais, coordenado pelo economista Marcelo Paixão, e que será lançado esta semana.

O Relatório analisou julgamentos em segunda instância nas ações por racismo e injúria racial nos Tribunais de Justiça de todos os Estados da federação e no Distrito Federal, entre 2007 e 2008.

Os réus dão de goleada: ganharam as ações em 66,9% dos casos, contra apenas 29,7% dos casos em que os Tribunais deram vitória às vítimas.

Segundo o professor Marcelo Paixão, a situação para as vítimas vem se agravando desde 2006, quando o Laeser fez a mesma pesquisa: naquele ano, 52,4% dos casos foram ganhos pelos réus e 39,3% pelas vítimas.

O estudo também revelou que, nos julgamentos de ações de 1ª instância, mais da metade das ações 55,4% foi julgada improcedente. Traduzindo: também no chamado primeiro grau, onde a ação começa, os juízes, na maioria dos casos, deram razão aos réus.

Justiça do Trabalho

O quadro de desvantagem, de acordo com o professor Marcelo Paixão, também acontece nos Tribunais Regionais do Trabalho: entre 2005 e 2008, em quase 60% das ações julgadas os réus saíram vencedores.

Segundo Paixão, a vitória dos réus na maioria dos casos, além de consagrar a impunidade e premiar os agressores, se insere na influência que o mito da democracia racial (a ideia de que no Brasil a cultura discriminatória e racista, não acarreta prejuízos às vítimas) sobre os juízes e operadores do Direito de um modo geral.

“Pode-se pensar em duas hipóteses para explicar a maior vitória dos réus. As dificuldades de obtenção de provas nesse tipo de crime. Ou ver o racismo como crime é difícil, e aquela noção de que o país teria democracia racial, o que acaba influenciando o juiz”, conclui Paixão.

Homicídios ficam estáveis no país, mas crescem entre negros

Cirilo Júnior
Do Rio


Apesar de o número de homicídios no país permanecer estável nos últimos anos, o número de negros assassinados não para de subir, revela o Relatório Anual das Desigualdades Sociais.A probabilidade de um homem preto ou pardo morrer assassinado é mais do que o dobro se comparado a de um indivíduo que se declara branco.Enquanto os homicídios entre homens brancos vêm caindo ao longo dos últimos anos, o movimento entre negros e pardos é inverso.Em 2001, homens pretos ou pardos representavam 53,5% do total. Ao mesmo tempo, os brancos significavam 38,5%.Já em 2007, do total de homicídios registrados, 64,09% eram de negros. Já a proporção de brancos recuou para 29,24%.

Em 2007, para cada 100 mil habitantes, 59,8 homens pretos ou pardos morreram assassinados. Entre a população masculina branca, essa proporção 29,2 homens mortos a cada 100 mil habitantes. No início da década, foram registrados 44.105 mil homens assassinados. Em 2007, esse dado ficou estatisticamente estável, recuando para 43.938. Entre as mulheres, a razão de mortalidade das pretas ou pardas era 41,3% superior à observada entre as mulheres brancas, segundo os dados de 2007. O estudo, desenvolvido pela UFRJ, foi feito a partir de dados do Ministério da Saúde e da Pnad (Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios).


Fonte: Folha.com/edição de 19/4

Negros têm menor expectativa de vida

Levantamento inédito do Núcleo de Estudos de População da Universidade de Campinas (Unicamp) revela que, entre a população preta e parda, a expectativa de vida, em 2008, era de 67,03 anos. Entre a parcela branca, a perspectiva era de 73,13 anos. Na média de toda a população brasileira,a esperança de vida era de 70,94 anos.
Entre os homens pretos e pardos, o indicador não passou de 66,74 anos. No contingente masculino da população branca, a expectativa alcançou 72,39 anos.
No estudo com as mulheres, a esperança de vida entre pretas e pardas foi de 70,94 anos, abaixo dos 74,57 anos estimados para a parcela feminina da população branca.

18 de abril de 2011

Liberdade de expressão

Amanhã (19) ocorrerá o lançamento da Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e o Direito à Comunicação com Participação Popular, no Auditório Nereu Ramos, Câmara dos Deputados, a partir das 14h. O ato contará com a presença de parlamentares e representantes de organizações da sociedade civil que discutem o tema. A frente é uma iniciativa de membros da Câmara dos Deputados, em parceria com entidades da sociedade civil, que visa a promover, acompanhar e defender iniciativas que ampliem o exercício do direito humano à liberdade de expressão e do direito à comunicação. Produção: Movimento pelo Direito a Comunicação.

17 de abril de 2011

Sinais de vazio na Copir-DF

 A despreocupação do Governo do Distrito Federal, por meio da Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania, com a população negra da capital da República pode ser constatada com a desatualização da página da Sejus na internet. Lá, ainda figura como titular da Coordenação para Assuntos da Igualdade Racial (Copir) João Batista, titular do cargo na degradada administração do ex-governador José Roberto Arruda. Aliás, a página da Sejus está completamente desatualizada, exceto a capa que mostra os índices de aceitação do governador Agnelo Queiroz.

Mas isso não prova que o governo ignora a população negra do país. A princípio a afirmativa é verdadeira. No entanto, nos pequenos gestos observa-se o interesse e a responsabilidade da Sejus com o tema. Igualmente, verifica-se o descaso com a questão. No caso, constata-se que até agora não ocorreu nenhum fato relevante que merecesse ser noticiado no portal da Sejus em relação ao segmento afrodescendente do Distrito Federal. E, vejam, não por que os negros estejam desorganizados na capital da República. Nas prévias da 3ª Conferência de Cultura, o movimento negro deu provas inequívocas de sua capacidade de articulação e força perante o governo. Elegeu um grande grupo para participar da conferência. Mostrou que tem organização, temas e produtos para colocar a questão racial na pauta das políticas públicas do DF.

No momento, a religiosidade afrobrasileira da capital lidera um movimento nacional contra o racismo e a homofobia. As adesões à inciativa que partiu da capital federal crescem a cada dia. Mas a Copir parece alheia ao que ocorre no seu espaço de atuação. 


Mais de 100 dias depois de instalado o atual governo, a maioria dos negros brasilienses desconhece a proposta de ação da Copir. Sequer foram chamados para um amplo debate, a fim de colaborar com a formulação de políticas públicas voltadas ao segmento afrodescendente. Porém há demandas e reivindicações históricas que precisam ser rediscutidas e as prioridades organizadas, uma vez que o Executivo não teria recursos suficientes para deflagrá-las em um único momento.

A realidade dos negros do DF é tão dramática quanto aos do restante do país. Em 2009, no DF os negros somavam a 60% da população economicamente ativa. Conforme estudo do pesquisador Marcel Sant'Anna, eles vivem principalmente na Estrutural, Brazlândia e Recanto das Emas, onde a renda per capta da população é menor.

Na taxa de desemprego eles também são maioria (65,1%). Para os que estão à procura de uma ocupação, o tempo de espera por uma oportunidade é de quatro semanas a mais do que para os de pele clara (65 para 61). As principais vagas abertas nos últimos quatro anos para eles foram na indústria, construção civil e serviços. O rendimento dos afrodescendentes simboliza 63,6% do que ganham os brancos, apesar de trabalharem uma hora a mais.

O preconceito também existe dentro das escolas. Pesquisa coordenada pela socióloga
Miriam Abramovay apontou que 2,1% dos alunos de 84 escolas públicas do DF alegaram não gostar de ter colegas negros nas salas de aula. Entre os professores o número é ainda maior: 2,5% deles não gostariam de dar aulas para pessoas de pele escura. Outro dado colhido revela que 55,7% dos estudantes e 41,2% dos professores dizem saber que existe preconceito racial nas instituições educacionais. Um reflexo disso é que apenas 13,3% dos alunos e 10,8% dos professores se declaram negros.

Diante desses dados, quase dois séculos depois de abolida a escravidão, torna-se estarrecedora a ausência de políticas ou inação do governo em relação aos afrodescendentes. A simples desatualização de uma página na internet revela que há um vácuo na definição dentro do governo local. Ou pelo menos é um forte sinal.

Expor preconceito não é coragem, mas covardia

Marcelo Semer

Depois da imensa reprovação social à entrevista do deputado Jair Bolsonaro, considerada ofensiva a negros e homossexuais, vivemos um perigoso refluxo.

Aos pedidos de abertura de processo na comissão de ética e representações de entidades civis, sucederam-se diversas manifestações, entre notas, artigos e reportagens na grande imprensa, em defesa do deputado. E pelos piores fundamentos.

Admitindo publicamente seus preconceitos, Bolsonaro vem sendo considerado um político corajoso. Estaria apenas exercendo seu direito a ser tacanho. E, desta forma, representando um importante pilar para a defesa da liberdade de expressão.

Até Voltaire foi tirado indevidamente da tumba para justificar o direito ao preconceito. Um exagero retórico, certamente.

Comparar o preconceito a uma posição política é o primeiro dos erros.

De fato, não há democracia sem pluralismo. Mas nem todas as 'políticas' são permitidas na democracia. Uma proposta higienista e racista como a de Hitler se chocaria com nossos princípios mais elementares. Não é antidemocrático proibi-la, nem punir quem a defenda publicamente.

Considerar o racismo uma 'proposta política' é o mesmo que tratar a pedofilia como uma tara. Pode-se afirmar que o comportamento humano não se acomoda a limites, ou como dizia a música de Chico Buarque, que sexo é "o que não tem governo, nem nunca terá". Mas quando a perversão se dirige a crianças, desprovidas de discernimento, a sociedade tem o pleno direito de proibir seus atos e punir seus praticantes.

Com a palavra não é muito diferente.

O pluralismo depende da liberdade de expressão. Mas isso não impede que certos abusos sejam passíveis de punição, porque podem ser feridos outros direitos igualmente relevantes e protegidos.

O próprio STF já se debruçou sobre a questão, condenando um editor de livros nazistas, ao reconhecer que o estímulo ao preconceito se sobrepunha à liberdade de expressão.

Afinal, não vivemos em uma Constituição de um só artigo e a dignidade da pessoa humana é nada menos do que uma das premissas da República.

É certo que para a garantia do exercício parlamentar, a imunidade em suas palavras, discursos e votos é imprescindível. A punição do discurso político é um perigo para a democracia, porta aberta para o autoritarismo. Mas como nenhum direito é irrestrito, nenhuma imunidade tampouco é absoluta - a irresponsabilidade das autoridades é uma marca própria da monarquia, não da república.

A jurisprudência do STF é tradicionalmente restritiva no que respeita à punição de parlamentares por suas palavras.

Da história recente, apenas o deputado Eurico Miranda teve contra si uma queixa-crime recebida pelo tribunal, por ofensa não ligada ao exercício do mandato. Mas isso não é lá um grande parâmetro, porque o número de políticos condenados pelo Supremo por outros delitos também é irrisório.

O que mais incomoda na defesa ao deputado são os elogios à sua coragem de dizer abertamente o que muitos somente diriam entre quatro paredes.

Este é um tipo de tema, no entanto, em que a franqueza não representa vantagem alguma.

Ninguém é punido por seus íntimos preconceitos, inclusive porque o controle de pensamentos, impressões ou sentimentos não está a nosso alcance.

O que a lei pune é justamente a exteriorização do preconceito, a manifestação pública por meio de palavras ou atitudes.

Estes atos são impactantes no sentido de menosprezar a pessoa, humilhando-a no que tem de mais precioso, sua própria essência. É quando o preconceito magoa, mutila e destrói, paulatinamente, a autoestima do discriminado.

Expor o preconceito, violando os vulneráveis, não é coragem alguma. É simplesmente covardia.

Mas ainda há mais.

Muitas pessoas se satisfazem em disparar ofensas e agressões rasteiras. Mas tantas outras são incensadas ao ódio pelas palavras de ordem do preconceito, e não param por aí.

Quem estimula racismo e homofobia não gera apenas constrangimentos, provoca uma cadeia de condutas que não raro desbanca em agressões. Homossexuais e nordestinos, por exemplo, têm sido presas fáceis de bárbaros discriminadores país afora, da mesma forma que muçulmanos são a bola da vez na Europa. As bravatas de hoje invariavelmente se tornam violências do amanhã.

Criminalizar preconceitos não é fazer a defesa fútil do politicamente correto, mas do humanamente digno.

O que está em jogo não é uma etiqueta, uma regra de conduta, mas o tipo de sociedade que estamos construindo.

A que está em nossa Constituição, livre, justa e solidária, não admite o racismo e as mais variadas formas de preconceito.

As ditaduras, todavia, já se mostraram capazes de conviver muito bem com todos esses monstros. Talvez por isso o deputado seja tão saudoso da nossa...

A bandeira e o racismo

Quarta-feira (13), os brasilienses ficaram surpresos. Um homem subiu no megamastro que mantém hasteada a bandeira brasileira, ao lado do Panteão da Liberdade, e ateou fogo no pavilhão nacional.
Bêbado, drogado, maluco. Todas essas expressões, que naturalmente vieram na cabeça da maioria das pessoas, nada tinha a ver com o protesto de Paulo Sérgio Ferreira, 38 anos. Ele escalou 110 dos 160 metros de altura do mastro para chamar a atenção para a mortalidade de negros no país, o racismo, o preconceito e a discriminação.
Preso, tão logo foi resgatado pelo Corpo de Bombeiros do DF, Paulo Sérgio foi libertado no dia seguinte.
Na contramão do que naturalmente ocorreria no passado, ele foi acolhido pela Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) da Presidência da República. O defensor público federal Lúcio Ferreira Guedes explicou que a referência ao racismo foi motivou o seu ingresso no caso.
Paulo Sérgio não deixará de ser punido pela agressão contra o símbolo nacional, mas responderá o processo em liberdade.
O Estado colocou-se em defesa de um cidadão negro. Isso, sim, causou surpresa.
Resta agora uma ação firme contra os que tentam suprimir os direitos dos afrobrasileiros, como os bolsonarianos, os skinhead e os neonazistas, que tentam se organizar para disseminar a intolerância, o racismo e preconceito contra o povo negro e os afroreligiosos.Tão ou mais grave do que tentar incendiar a Bandeira do Brasil é a falsa democracia racial, a queima diária da Constituição por integrantes do Congresso Nacional e do poder público, que insiste em tornar invisíveis uma parcela que corresponde a 51% da população brasileira.