15 de maio de 2011

Deus ordena a violência doméstica, afirma pastor

É isso que Deus manda o homem fazer contra a mulher?
Essa é a maneira de haver harmonia e felicidade no casamento?

"Não apenas Deus autoriza o uso da força física contra a mulher, como o exige, dentro do matrimônio, para uma união harmoniosa e feliz. Aquele que advoga contra Cristo é a expressão do próprio Satã. Não acrediteis na palavra dos caluniadores. Hoje o homem vive sob o jugo das mulheres (não temos uma "presidenta"?). Esta condição exige libertação.", escreve o ministro eucarístico da Igreja do Primeiro Impacto Clodoaldo Malafaia no artigo intitulado "O mito da violência contra a mulher", publicado no blog igrejadoprimeiroimpacto.blogspot.com

Não há dúvida que o pastor, com amplo espaço na mídia, incita a violência contra as mulheres. Diz ele que para que a união de um casal seja harmoniosa e feliz, Deus autoriza a força física contra a mulher.

Deus autoriza? Que Deus é esse que prega a violência? Que Deus é esse que associa harmonia e amor ao uso da força física para que um matrimônio seja feliz?
Reveste-se de enorme gravidade o artigo do pastor. Trata-se de apologia à agressão contra as mulheres.
Vejamos o que revelam os dados dos bancos Mundial (Bird) e Interamericano de Desenvolvimento (Bird) sobre a violência doméstica:

— Um em cada 5 dias de falta ao trabalho no mundo é causado pela violência sofrida  pelas mulheres dentro de suas casas.
— A cada 5 anos, a mulher perde 1 ano de vida saudável se ela sofre violência doméstica.
— O estupro e a violência doméstica são causas importantes de incapacidade e morte de mulheres em idade produtiva.
— Na América Latina e Caribe, a violência doméstica atinge entre 25% a 50% das mulheres.
— Uma mulher que sofre violência doméstica geralmente ganha menos do que aquela que não vive em situação de violência.
— No Canadá, um estudo estimou que os custos da violência contra as mulheres superam 1 bilhão de dólares canadenses por ano em serviços, incluindo polícia, sistema de justiça criminal, aconselhamento e capacitação.
— Nos Estados Unidos, um levantamento estimou o custo com a violência contra as mulheres entre US$ 5 bilhões e US$ 10 bilhões ao ano.
— Segundo o Banco Mundial, nos países em desenvolvimento, estima-se que entre 5% a 16% de anos de vida saudável são perdidos pelas mulheres em idade reprodutiva como resultado da violência doméstica.
— Um estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento estimou que o custo total da violência doméstica oscila entre 1,6% e 2% do PIB de um país.

Os elementos oferecidos pelas duas instituições multilaterais estão longe de ser um “mito”, como pretende fazer crer o pastor. As duas instituições, distantes de qualquer credo, revelam que os danos materiais são expressivos.

Mas a violência contra o universo feminino vai além dos prejuízos materiais. Há danos físicos, mentais e psicológicos irreversíveis, que repercutem na sua capacidade de produzir, assim, ter o seu trabalho reconhecido. No campo da saúde, há um evidente crescimento da demanda por problemas difusos cuja origem está na violência doméstica. Sem falar que um ambiente doméstico perturbado pela violência impacta na formação das crianças e adolescentes. Estabelece-se um ciclo alimentador das agressões.

Supõe-se, a princípio, que as igrejas são espaços de construção de cultura de paz.Mas o que se percebe do artigo do religioso, que nem todas as igrejas têm essa função. Ao contrário. São células na sociedade que promovem a violência. Configuram-se como espaços da discórdia e da infelicidade. Lamentável que muitas mulheres, ainda que tenham sua condição humana e a individualidade ignoradas, sejam seguidoras de elementos que estimulam os homens a surrá-las.

Apesar de defender a submissão extrema da mulher à vontade masculina, dirigentes de igrejas neopentecostais não recusam o dízimo feminino que, no conjunto das doações, tem enriquecido muitos deles. Será que se elas não doarem deverão apanhar até a exaustão das forças do agressor?

Mas não basta alegar aspectos econômicos, sociais, físicos, morais e psicológicos para condenar a agressão física contra a mulher. O artigo do religioso exige explicações às autoridades policiais. Nenhum credo ou líder religioso pode se insurgir contra a Constituição federal, pela qual todos são iguais perante a lei.

Adiada a marcha contra a intolerância

A Marcha Nacional contra a Intolerância Religiosa, marcada para 25 de maio, foi adiada. Os organizadores informaram que uma nova data será definida e todos os interessados serão avisados.A manifestação seria uma resposta da religiodade afro aos continuados ataques que os terreiros de Umbanda e Candomblé têm sofrido nos últimos anos, principalmente por parte dos neopentecostais, apoiados, em algumas cidades brasileiras, pelas forças de segurança do Estado.

Mais recentemente, as mulheres negras foram associadas à promiscuidade por um deputado federal. Em seguida, outro parlamentar da Câmara dos Deputados referiu-se aos negros como um povo amaldiçoado.
Todas essas manifestações de violência mostram o quanto o racismo é algo vivo na sociedade brasileira. Vários grupos em diferentes cidades brasileiras criaram comissões contra a intolerância religiosa.
A tolerância é suportar ou aceitar mesmo contra a própria vontade algo ou uma situação.

Mas não é isso que a religiosidade afro deseja. Umbandistas e candomblecistas exigem respeito. Essa exigência tem amparo na Constituição brasileira, que estabeleceu o estado brasileiro como laico e garantiu a liberdade de culto e religião, reconhecendo a pluralidade existente no país.

Portanto, a crise que ocorre hoje entre alguns setores da sociedade e as religiões de matriz africana reflete uma afronta à Constituição,.Assim, é fundamental que o Poder Público atue para coibir os desrespeitos à Constituição e direcione as ações das forças de segurança pública para garantir a liberdade de culto no país. Nada justifica as agressões verbais, sobretudo quando elas têm origem nas declarações de legisladores, que incitam a violência. Mais ainda: cabe ao Estado impedir a depredação dos terreiros. Isso é crime e como tal deve merecer do Estado e da Justiça a punição correspondente.

A Marcha contra a Intolerância têm, entre outras, a função de cobrar do governo e do Congresso Nacional uma ação efetiva contra essa sucessão de episódios que afrontam a religiosidade afrodescendente e seus espaços de culto.