6 de abril de 2015

Querido racista, bom apetite

Por Rosane Garcia

Racista, cuidado com o que você come. Se a repulsa pelos negros é imensurável, você terá que repensar o próprio cardápio. Pela boca que saem tantas ofensas e barbaridades, entram alimentos vindo de além-mar. O menu poderá contemplar iguarias e temperos trazidos pelos negros, pratos típicos dos colonizadores ou da cozinha indígena, que os africanos escravizados, com muita habilidade, adornaram com os sabores da terra. Mais: várias oferendas aos orixás ― divindades cultuadas pelos negros ― também foram levadas à mesa e fazem parte do trivial. De tão saborosas, muitas delas ganharam restaurantes especializados e se tornaram destino turístico para brasileiros e estrangeiros.

Angu, pamonha, pimenta-malagueta, feijão preto, quiabo, carne-seca com abóbora, pipoca, acarajé, vatapá, caruru, feijão-fradinho, coco, café, banana, inhame, gengibre, amendoim, jiló, melancia... A lista é muito grande. Todos esses produtos e muitos outros são ou dão origem a quitutes da culinária afro-brasileira.

A semente do dendê chegou ao Brasil colada no corpo do negro. Aqui, ganhou áreas imensas de plantio e, hoje, tem importância na balança comercial. Está entre as matérias-primas para o biodiesel ― curiosamente, é alimento que serve para mover máquinas. “Querem tudo do preto, mas não querem o preto”, ensina a médica Regina Nogueira, expert em segurança alimentar. O historiador e antropólogo Luís da Câmara Cascudo diz mais: “O azeite de dendê acompanhou o negro como o arroz ao asiático e o doce ao árabe”.

Diante de algo tão vital, como o alimento, e a reconhecida contribuição do negro à gastronomia brasileira, temos mais motivos para lamentar a reação dos não negros à campanha #ah,branco, daumtempo contra o racismo dentro da Universidade de Brasília (UnB). A iniciativa, divulgada em microblogue(ahbrancodaumtempo.tumblr.com), ganhou expressão no portal do Correio. Vê-se que a brutalidade e a ignorância têm espaço reservado na academia, como elementos que fazem a diferença entre o saber, a sabedoria e o obscurantismo.

A resposta dos racistas mostra, ainda, o quanto o sistema educacional do país desconsidera as diferentes matrizes étnicas que contribuíram para a composição do tecido sociocultural e econômico do país. O Estado continua refém dos colonizadores europeus e não consegue implementar a Lei nº 10.639/2003, que introduziu (apenas no papel) o ensino da cultura afro-brasileira na grade curricular nacional. Os detratores dos negros, na maioria das vezes, são covardes, como os que fizeram a contracampanha e se esconderam no anonimato. Mas, quem sabe, diante de saborosa feijoada não conseguirão repensar os ingredientes da própria existência? Bom apetite!
(Artigo publicado na edição de hoje do jornal Correio Braziliense)