Nos últimos anos, a economia brasileira avançou e virou referência para as nações ricas em crise, mas a chaga da corrupção ainda insiste em fazer sangrar parcela importante de tudo o que é pago pelo contribuinte
Dados da organização Transparência Internacional e projeções da Federação das Indústria do Estado de São Paulo (Fiesp) revelam que, no cenário mais otimista, o Brasil responde por 26% de todo o dinheiro movimentado pela corrupção no mundo.
Nos últimos anos, a economia brasileira avançou e virou referência para as nações ricas em crise, mas a chaga da corrupção ainda insiste em fazer sangrar parcela importante de tudo o que é pago pelo contribuinte.
Dados da organização Transparência Internacional e projeções da Federação das Indústria do Estado de São Paulo (Fiesp) revelam que, no cenário mais otimista, o Brasil responde por 26% de todo o dinheiro movimentado pela corrupção no mundo. Na pior hipótese, esse índice alcança 43%. Enquanto as perdas médias globais anuais com o problema giraram perto dos R$ 160 bilhões nos últimos seis anos, o prejuízo nacional pode ter chegado a R$ 70 bilhões por ano — ou 2,3% do Produto Interno Bruto (PIB).
No dia a dia, não faltam episódios para engrossar as estatísticas que destroem a imagem brasileira mundo afora. O mais recente e, sem dúvida, o mais vultoso, envolve o Ministério dos Transportes. O escândalo que derrubou o ministro Alfredo Nascimento e vários assessores trouxe à tona, mais uma vez, prática antiga no mundo da corrupção: o superfaturamento. As suspeitas são de que, entre março de 2010 e junho de 2011, houve desvios de R$ 4,5 bilhões por meio de duvidoso aditivos em contratos referentes a 46 obras de ferrovias.
Mesmo se essa irregularidade for confirmada, a quantia só entrará nas projeções da Fiesp mais à frente. Por ora, a entidade conhece os números até 2008, ano em que a sangria chegou a R$ 41,5 bilhões, ou 1,38% do PIB. No mundo, entre 1990 e 2005, foram desviados em torno de US$ 300 bilhões (R$ 472,5 bilhões a valores da última sexta-feira), quantia que pode ter dobrado nos últimos seis anos, para US$ 600 bilhões (ou R$ 945 bilhões), conforme o Relatório Global da Corrupção, da Transparência Internacional.
Denúncias de superfaturamento em obras, como as de rodovias e ferroviárias, ou qualquer outro esquema de desvio de verbas, não passariam impunes se houvesse maior controle prévio dos acordos entre agentes públicos e companhias privadas no Brasil — que ocupa a 75ª colocação no ranking da corrupção elaborado pela Transparência Nacional. No mundo, há exemplos bem-sucedidos.
Recém-aprovada, a legislação da Inglaterra chega a ser mais dura do que a dos Estados Unidos, onde a multa chega a 20% do benefício conseguido pelos corruptos. “O pagamento, na Inglaterra, é ilimitado e a indenização pode ser milionária”, afirma José Francisco Compagno, sócio da área de investigação de fraudes e suporte a litígios (FIDS) da Consultoria Ernst & Young Terco.
Mas a aprovação esbarra na atuação dos próprios parlamentares. “Se tentamos aprovar uma lei mais dura, os próprios deputados jogam os projetos na gaveta. Eles se elegem com o dinheiro que vem da corrupção e isso cria um ciclo vicioso”, critica David Fleischer, professor de ciências políticas da Universidade de Brasília (UnB). “Os casos são descobertos, mas ninguém vai para a cadeia. Não há punição”, acrescenta.
Um dos projetos de lei em andamento que mais se aproxima da legislação aprovada no Reino Unido é o de nº 6.826/2010, que responsabiliza pessoas jurídicas pela prática de corrupção contra a administração pública nacional e estrangeira. A iniciativa é do Executivo, mas segue emperrada pela burocracia.
Foi apresentada em fevereiro do ano passado, passou por várias comissões e aguarda encaminhamento da Câmara, apesar de a presidente Dilma Rousseff ter dado carta branca, em maio, para a constituição de uma comissão especial destinada a analisar o assunto. Só falta os partidos indicarem representantes — um movimento no qual eles não parecem engajados.
Mais de 110 projetos contra a corrupção estão parados no Congresso. De acordo com o levantamento, dos projetos na fila de espera, 25 impõem maior rigor no combate à corrupção, estabelecendo penas maiores para os condenados, ampliando prazos de prescrição e tornando inafiançáveis os crimes dessa natureza. Nessa fila, também estão 24 propostas que estabelecem maior transparência nos gastos públicos. Há ainda outras 11 proposições que alteram a forma de escolha dos integrantes dos tribunais de contas e nove que impõem maior rigor na liberação de dinheiro público.
“O levantamento mostrou que existem muitas medidas para combater o maior problema do país, que dá um prejuízo de R$ 45 bilhões a R$ 70 bilhões por ano aos cofres públicos, mas tudo no Congresso é lento”, reclama o coordenador da Frente, deputado Francisco Praciano (PT-AM). Segundo o parlamentar, os integrantes do grupo pediram à Direção da Câmara que os 21 projetos já aprovados nas comissões e prontos para ir a plenário sejam vistos como prioridade no Legislativo. Ele acredita que pelo menos esses projetos apresentam boas chances de virar lei ainda neste ano. Além disso, afirmou, outros textos têm previsão de serem discutidos nas comissões até dezembro.
Balanço
Apesar de estarem sempre presentes no discurso dos parlamentares, as ações efetivas para a criação de outros mecanismos que evitem práticas irregulares com o dinheiro do contribuinte não chegaram a entrar na pauta no último semestre. Prova disso é o balanço das atividades do Legislativo divulgado na semana passada pelo presidente da Câmara, deputado Marco Maia (PT-RS). Ele anunciou que foram aprovadas 147 propostas no primeiro semestre, mas entre elas não estão os projetos que tratam do combate à corrupção.
Até o encerramento das atividades da primeira metade de 2011 no Congresso, 42 propostas apertando o cerco aos corruptos permaneciam na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), sendo que 17 foram analisadas e esperam pela votação dos integrantes da comissão. Outras nove se encontram na Comissão de Finanças e Tributações, com seis textos prontos para serem votados, mais duas proposições aguardam a composição de comissão especial dos congressistas.
No grupo de projetos que foram arquivados estão 17 medidas, entre elas a Proposta de Emenda a Constituição nº 68/2007, que proíbe o sigilo processual nos crimes contra administração pública, e o Projeto de Lei nº 186/2007, que inclui os atos contra os cofres públicos na lista de crimes hediondos — projeto rejeitado pela CCJ em 2008, considerado inconstitucional. Essas propostas ficam arquivadas até que outro parlamentar faça um requerimento pedindo o desarquivamento.
Entre os motivos apontados pelo coordenador da Frente de Combate à Corrupção para que os projetos contra a má administração pública não entrem na pauta está a falta de mobilização dos colegas. A frente, que recebeu mais de 200 assinaturas dos deputados e senadores, foi lançada com grande entusiasmo no meio político em abril, mas na prática a cobrança ativa dos parlamentares que integram o grupo acaba deixando a desejar. “A participação efetiva é de uns 15 deputados apenas. Como cada parlamentar tem um foco diferente, o acompanhamento fica restrito. Muitos até colaboraram com a assinatura para a formação da frente, mas acabam não entrando nos trabalhos para acelerar nossos requerimentos”, diz Francisco Praciano