18 de março de 2014

O DF é 57% negro


 Rosane Garcia

No passado, a palavra “pardo” substituiu as expressões “crioulo”, “preto” e “negro” nas referências aos não brancos de ascendência africana. Ela ficou tão arraigada entre as pessoas, que os negros a usavam para definir a própria origem étnica, apesar de poucos saberem o significado do que era ser pardo. Até mesmo nos documentos oficiais (Certidão de Nascimento, Carteira de Identidade), a cor do indivíduo era parda.

Estudo da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan), intitulado Análise das Relações de Raça/Cor, com base na Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (Pdad 2010-2011) mostrou que 57,52% dos 2,3 milhões de brasilienses são negros. Eles são maioria em 17 das 31 regiões administrativas. Em todo o país, os afrodescendentes somam 51%. Ou seja, no DF, eles superam a média nacional. Mas esse não é único fenômeno revelado pelo estudo. Para surpresa dos pesquisadores, os jovens do DF se autodeclaram negros, sem qualquer constrangimento.

Com mesma intensidade emergem desse cenário as contradições, que ressaltam as desigualdades e reforçam estereótipos. O negro brasiliense é maioria em relação aos não negros nos segmentos com menor renda e escolaridade. Embora a capital do país tenha pouco mais de meio século, as diferenças socioeconômicas impõem profundos desafios ao Estado, na formulação de políticas públicas que eliminem as diferenças entre os afrodescendentes e o restante da sociedade. Nesse ambiente de desigualdade, eles têm sido o segmento mais vulnerável. De acordo com o Mapa da Violência 2013, no DF e no Entorno, quase 90% das vítimas de mortes violentas são negros de 15 a 29 anos.

A cobrança por políticas voltadas aos negros vai além daquelas que assegure a inserção dele nas universidades ou combata o racismo e a discriminação. A demanda é por políticas sociais integrais que interfiram na qualidade de vida do indivíduo e garantam educação para a cidadania.
(Artigo publicado na edição de 17 de março do jornal Correio Braziliense)

Democracia racial ainda é uma farsa

Rosane Garcia

No Distrito Federal e no Entorno, quase 90% das vítimas de mortes violentas são homens negros de 15 a 29 anos, conforme o Mapa da Violência 2013, elaborado com base em estudo do Ministério da Saúde. Não é exagero afirmar que, em relação a qualquer outro grupo étnico, o dado indica que estamos diante de um processo genocida. Mas, como se trata de negros, as evidências são diluídas em meio a conclusões que relegam a plano inferior o que é cristalino mesmo aos que têm pouca visão.

Esse processo de violência vem crescendo. Quando ele não se expressa pelo ataque com armas letais, avança nas agressões verbais, a fim de impor uma condição de inferioridade, que não existe, aos negros. Manifesta-se ainda pelo bloqueio de oportunidades sociais e econômicas.

Poucas semanas atrás, uma australiana expeliu toda a sua repulsa aos afro-brasileiros ao ofender uma manicure. No Rio de Janeiro, um ator negro foi confundido com um assaltante e amargou 15 dias de cadeia. Diante do depoimento da vítima, que fora assaltada por um homem negro, o primeiro que passou diante de agente policial se tornou culpado. Não houve esmero na apuração, pois o fato de ter a pele preta torna o indivíduo culpado. Na semana passada, o noticiário esportivo destacou as manifestações de racismo contra um árbitro e trouxe à tona situações vexatórias impostas a ídolos do futebol e de outras práticas esportivas que são negros.

Matar ou cometer o crime de injúria racial significa que a decantada democracia racial brasileira nunca deixou de ser uma farsa. O Estado não admite o extermínio deliberado de afro-brasileiros, motivado pelo racismo, para fugir de embaraços diplomáticos. Mas a segregação está presente nas relações sociais e divide fortemente os grupos étnicos que vivem no país, com graves prejuízos aos afrodescendentes.

Na última década, o governo federal reconheceu ─ não como esperava a maioria dos negros  ─ a necessidade de estabelecer políticas públicas para os afrodescendentes. A mais polêmica medida foi as cotas para acesso às  universidades federais. Mas, há de se convir, que essas ações estão muito aquém das exigências reais do povo negro do Brasil, cuja vida está ameaçada.

[Texto publicado na edição de 10/3 do jornal Correio Braziliense]