14 de maio de 2011

O 13 de maio e o mito da liberdade de expressão

Pedro Caribé,
para o Observatório do Direito à Comunicação
  
Neste dia 13 de maio a sociedade brasileira tem motivo especial para debater os limites da noção de liberdade. Está em curso no país um embate sobre a liberdade de expressão versus liberdade de imprensa que tende ser o balizador da reforma no marco legal das comunicações. Porém, antes de garantir as condições para todos os setores políticos, culturais e econômicos terem o mesmo empoderamento nas tecnologias da informação e comunicação, a liberdade continua um mito para os descendentes dos escravos africanos no país.
O dia da abolição deixou paulatinamente sua face de comemoração em prol da reflexão sobre os limites da liberdade dos ex-escravos no Brasil. A Lei Áurea (1888), uma das mais curtas da história nacional, extinguiu propriedade sob os africanos e seus descendentes que a partir de então obtiveram, na teoria, o livre arbítrio. Porém, na prática, o que se verificou foi a perpetuação das distinções sociais entre brancos e afrodescendentes, impelindo o direito as liberdades numa abordagem mais ampla.
O caso dos ex-escravos estimula expandir a noção da liberdade à necessidade de condições materiais (moradia, renda e transporte) e imateriais (educação, segurança, participação política) para circular as demandas dos indivíduos e grupos sociais, assim como adoção de restrições as práticas que retardem as liberdades de conjunto mais amplo da sociedade.


Liberdade de expressão x imprensa
Além dos pressupostos tradicionais, nas sociedades modernas a necessidade de aprofundar as noções de liberdade se faz, em grande medida, pela relação com as tecnologias da informação e comunicação, onde as ideias e gostos são majoritariamente mediadas. Nesse contexto se intensificam as divergências conceituais entre a liberdade de expressão x liberdade de imprensa no Brasil.
A liberdade de expressão é defendida pelo seu cunho universalista, mais próximo das formulações básicas das liberdades. Já a liberdade de imprensa é aproximada aos direitos empresariais de determinada classe e ao agir sem limites coloca em risco a liberdade de expressão, por cercear ou discriminar pontos de vistas de outras classes sem o mesmo poder econômico.
No caso brasileiro os maiores defensores da liberdade de imprensa são identificados por um seleto grupo familiar, herdeiros de tradição oligárquica e por que não, escravocrata?!


Indicadores
A fim de construir referências objetivas sobre os limites impostos a liberdade de expressão a Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura (Unesco) ao lado de entidades dos movimentos sociais e universidade têm desenvolvido no Brasil os indicadores do direito à comunicação. Esses indicadores tendem a se tornar base de sustentação para o Estado nacional avançar em reformas pela democratização do setor.
Quanto o caráter racista no empoderamento das tecnologias da informação e comunicação, é possível chegar a conclusões mais contundentes na radiodifusão, telecomunicações e imprensa no país se incluíssem este recorte étnico nas suas estatísticas. Ao ter tais dados em mãos os organismos internacionais e entidades do movimento social passariam a ter na sua agenda não apenas a democratização nos meios de comunicação, mas possivelmente um racismo institucional que impele valores costumeiramente precedentes a democracia ou mesmo a formação de uma nação.
Aliás, quantos radiodifusores são autodeclarados negros ou pardos no país? A resposta nos entraves se resume aos problemas no sistema de partilha de outorgas, balizado pelo clientelismo político e barreiras econômicas.
Já a banda larga, qual o percentual da população afrodescendente que têm acesso a esse serviço no país? A pauta universalista enfatiza a necessidade de um regime público mas não toca no caráter racial da exclusão digital.
E a imprensa negra no Brasil, o que a torna instável e agora sobrevivente basicamente nas páginas eletrônicas na internet? A demanda pela produção de conteúdo é balizada por ideia vaga de pluralidade e diversidade que pouco atinge o gargalho racista do país.


Nabuco e Florestan
Já que o motivador deste texto é o 13 de maio, vale ressaltar duas perspectivas importantes que têm sua contribuição incompleta no país. Ambas podem ser classificadas nos embates raciais como posições etnocêntricas, mas se forem ao menos adotadas por setores progressistas podem dar um grande impulso ao país e aos movimentos sociais.
A primeira perspectiva é do movimento abolicionista que teve no aristocrático Joaquim Nabuco sua principal liderança. Nabuco compreendeu o regime escravista brasileiro como mais penoso e complexo que o dos Estados Unidos, por expandir as divisões raciais por todas as classes. A visão humanista de Joaquim Nabuco se mesclava com o patriotismo para defender que a libertação dos cativos era fundamental para o desenvolvimento do país. Dessa forma, analisava que a economia e política nacional poderiam se erguer ao renovar as relações mercantis e de trabalho, seja pública ou privada.
A segunda perspectiva, a socialista, teve na figura de Florestan Fernandes uma reconhecida interconexão entre luta de classes e racial no Brasil. Fernandes parte do pressuposto que o caminhar para o socialismo no país deve passar obrigatoriamente pelo protagonismo dos movimentos negros e seu reconhecimento enquanto classe trabalhadora. Porém, Fernandes deixa o alerta que a participação negra no processo revolucionário é mais árduo pelo fato dos indivíduos terem que superar duas forças poderosas: o racismo e o capitalismo.
Entretanto os herdeiros desses dois exemplos continuam a negar tais legados. No caso das elites tradicionais, insistem em retardar a participação dos afrodescendentes no mercado como consumidor, produtor ou comerciante. Já as organizações influenciadas pelo pensamento marxista continuam a tratar o racismo como aspecto secundário da agenda política.


Enegrecer
Mesmo se forem seguidos a risca, a ideias de Nabuco e Florestan têm limites para superação do racismo no Brasil. As poucas respostas de ambos aos embates civilizatórios também foram e são barreiras para José do Patrocínio e Luís Gama não ocuparem papel de maior destaque no processo abolicionista; ou para o combativo Movimento Negro Unificado (MNU) não consolidar suas idéias na linha de frente na esquerda nacional na luta da redemocratização até os dias atuais.
No caso do alargamento do conceito de liberdade de expressão, o pensamento de Milton Santos apresenta complementariedade pouco utilizada pelos defensores do direito à comunicação. O geografo deixou o legado de enfrentar o globalitarismo e um dos seus tentáculos, a tirania da informação, a partir de nova consciência universal inspirada dos espaços periféricos.
Dessa forma, estariam nos pequenos provedores de internet nas negras periferias um modelo de apropriação e distribuição das tecnologias para enfrentar as grandes teles? E a reserva do espectro da radiodifusão para comunidades quilombolas rurais ou urbanas, seria uma alternativa para o “coronelismo” midiático e o poderio neo pentecostal?
Durante a I Conferência Nacional de Comunicação a articulação Enegrecer a Confecom iniciou longo processo de responder a essas perguntas e construir uma plataforma. Se por uma lado o contexto do 13 de maio limita aprofundar essa agenda,  no próximo dia 20 de novembro será possível amadurecer a noção da liberdade de expressão aos brasileiros, afinal 2011 é declarado o ano dos afrodescendentes pela Organização das Nações Unidas (ONU).


* Pedro Caribé é jornalista, militante do Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social, repórter do Observatório do Direito à Comunicação, pesquisador do Centro de Comunicação, Democracia e Cidadania da UFBA e integrante da articulação Enegrecer a Confecom.

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