SÃO PAULO (Agência USP) - A socióloga Vera Rodrigues conduz um estudo de doutorado na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) sobre as políticas públicas de reconhecimento de direitos territoriais nos quilombos brasileiros e nos palenques (os equivalentes colombianos), a fim de descobrir como os governos estão construindo políticas para comunidades negras. Os projetos governamentais analisados por ela são o Programa Brasil Quilombola, no caso brasileiro, e a Lei 70, na Colômbia. Segundo a pesquisadora, ambos têm eficácia limitada.
Vera conta que as ações destinadas a estes grupos começaram a surgir a partir da década de 1980, não apenas no Brasil. Ela destaca que a Colômbia é o segundo país da América Latina em quantidade de negros, só perdendo para o Brasil, o que demonstra a importância dessas políticas.
Sua tese, intitulada Entre Quilombos e Palenques: um estudo antropológico sobre políticas públicas de reconhecimento no Brasil e na Colômbia, é orientada por Carlos Henriques Moreira Serrano. Ela atesta que tais políticas sofrem entraves nos mais diversos níveis para sua completa realização. A titulação, por exemplo, que é a etapa que garante legalmente o direito à terra, sofre com os conflitos de interesses entre as comunidades e grandes proprietários. A etapa seguinte, que é garantir materialmente o direito à terra (isto é, implantar energia elétrica, acesso a escola, etc), é ainda mais complicada em ambos os países. E na Colômbia, ainda há a questão do conflito armado para dificultar. Segundo Vera, esta é apenas a face visível do problema, que possui desdobramentos em muitos setores.
A pesquisadora destaca ainda que, embora as políticas públicas tenham falhas tanto no papel quanto em sua efetivação, crescem os esforços para que elas se realizem. Os movimentos sociais, por exemplo, estão pressionando cada vez mais as autoridades para terem seus direitos garantidos. É importante lembrar que os territórios cujas posses são reivindicadas pelas comunidades já são ocupados por elas há décadas, faltando, entretanto, o reconhecimento formal. Vera destaca que os governos reconhecem oficialmente o problema, mas que ainda não conseguiram, por intermédio destas políticas, sanar o problema.
Para se ter uma ideia de como o papel não reflete a realidade, na Colômbia a titulação já está realizada em 90% dos territórios, mas isso não significa que a situação esteja calma por lá. O chamado desplaziamento, uma migração forçada das populações locais para outras áreas, é uma realidade nessas áreas de conflito. Embora hajam entidades como a Associação Nacional de Afrocolombianos Desplazados (AFRODRES) e o Internal Displacement Monitorin Centre (IDCM) para fiscalizá-lo, ele ainda é um problema social grave e um dos maiores desafios a serem enfrentados pelo vizinho sul-americano.
Resistência
Para seu estudo, Vera participou de conferências sobre o assunto, além de entrevistar lideranças negras, ativistas e políticos em ambos os países. Ela pode perceber que as regiões em disputa estão em conflito social altamente violento, sofrendo pressões de todos os lados para que seu direito não seja reconhecido. Entretanto, ela acrescenta que a resistência da comunidade negra é muito forte e vem crescendo. “Eles procuram pensar nas possibilidades, em seus horizontes de vida”, diz a socióloga.
Para a pesquisadora, uma das particularidades do processo político na Colômbia é que lá as próprias comunidades participaram da elaboração das políticas. Elas têm representação no Congresso, com a presença de uma bancada afro-colombiana desde os anos 1990. No Brasil, este processo está apenas começando, tendo algumas poucas iniciativas como a Frente Parlamentar em Defesa da Luta Quilombola, de São Paulo.
Vera reconhece a dificuldade para a implantação e verdadeira efetivação das políticas em favor da comunidade negra, mas acredita que isso seja possível. Além disso, ela acrescenta que deseja proporcionar visibilidade e retorno social às pessoas envolvidas em sua pesquisa, tornando a situação visível nos aspectos sociais e políticos.
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